25 Fevereiro 2014
É um "mea culpa" tão espetacular quanto radical e "em curso" aquele que está sendo feito há alguns anos pela Igreja Evangélica da Alemanha do Norte – uma das 22 Igrejas regionais que compõem a Igreja Evangélica Alemã – pelo seu comprometimento com o nazismo. Uma das últimas iniciativas foi a tarefa dada ao historiador Stephan Linck de investigar o que o apoio ao regime hitleriano deixou de herança no pós-guerra. Linck, que já havia se ocupado dos anos "quentes" da República de Weimar em 1945, publicou recentemente "Novo início? A relação da Igreja Evangélica com o seu passado nazista e com o judaísmo. As Igrejas regionais no norte do Elba, 1945-1965", o primeiro de dois volumes previstos, publicado pela editora oficial da Igreja regional do Norte.
A reportagem é de Andrea Galli, publicada no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 19-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Linck, de onde nasceu essa vontade de transparência histórica?
Em 1998, quando o Sínodo da Igreja Evangélica da Alemanha do Norte publicou uma declaração-esclarecimento no 50º aniversário da Noite dos Cristais, se queria saber também quais procedimentos antijudaicos foram emitidos pelas Igrejas de Lübeck, Eutin, Schleswig-Holstein e Hamburgo. Não havia uma resposta certa, por isso foi preciso comissionar uma pesquisa. Diante desse vazio de conhecimento, muitos ficaram estupefatos, e se decidiu, portanto, realizar também uma mostra que, entre 2001 e 2007, foi organizada em vários lugares e levou a uma profunda discussão, fazendo conhecer a cumplicidade da Igreja Evangélica na perseguição dos judeus. Portanto, se queria saber como a Igreja Evangélica mudou depois do nazismo e como foi possível que, ao longo das décadas, o tema nunca foi abordado criticamente; por isso, decidiu-se iniciar um projeto de pesquisa.
A ideologia nazista estava imbuída de neopaganismo: como foi possível manter juntos o Evangelho e a mitologia ariana?
No início do regime, o apoio protestante a Hitler era enorme, porque ele havia removido a República, que era vista como uma entidade irreligiosa. Os nazistas propagandeavam um "cristianismo positivo", voltado negativamente apenas contra os judeus, e isso encontrou o favor dos luteranos. O elemento neopagão foi rejeitado pela maioria dos fiéis.
Os escritos de Lutero contra os judeus têm um papel na "sintonia" com o antissemitismo nazista?
As profundas raízes do antissemitismo da Igreja Evangélica afundavam no nacionalismo alemão; no entanto, sim, muitos protestantes se referiam aos escritos de Lutero contra os judeus para demonstrar que eles eram os antissemitas "originais": no fundo, Lutero já havia incitado a perseguir os judeus e a incendiar as sinagogas.
Os nazistas gozaram do favor dos protestantes mais ao norte do que no resto da Alemanha?
Antes de 1933, o Partido Nacional-Socialista gozava de grande favor junto ao eleitorado protestante em geral. Ao contrário dos católicos, os protestantes, durante a República de Weimar, não tinham um partido confessional de referência. Foram os luteranos em particular que rejeitaram a República, porque isso havia levado à renúncia do Kaiser e rei da Prússia, que era visto como a autoridade luterana.
Uma curiosidade: a Lutherkircke de Lübeck foi construída de frente para o norte. Quanto a ideologia nazista influenciou a arquitetura sacra?
A arquitetura das Igrejas foi decidida pelas comunidades individuais e não houve um projeto comum. Na Lutherkirche de Lübeck, reinavam os pertencentes à Aliança para a Igreja Alemã ["Bund für deutsche Kirche", uma pequena minoria da Igreja Evangélica. Eles rejeitavam o Antigo Testamento, judeu demais, e identificavam o Deus pai da Bíblia com o nórdico "Pai de todos", "Allvater", apelativo de Odin]. Por isso, era preciso rezar para o norte e não para o leste, isto é, em direção a Jerusalém. Outra igreja dedicada a Lutero em Hamburgo, no distrito de Wellingsbüttel, foi construída de frente para o norte. A Aliança para a Igreja Alemã foi fundada em 1919, mas teve grande influência somente durante a hegemonia nazista. O expoente mais fervoroso dos chamados "cristãos alemães" no Schleswig-Holstein, Propst Ernst Szymanowski, tornou-se tão extremista a ponto de sair da Igreja e se tornar um oficial das SS. À frente de um "Einsatzkommando", ele foi responsável pela morte de milhares de russos e foi condenado no julgamento de Nüremberg.
Quais foram as omissões da Igreja Evangélica que, no seu estudo, mais chamaram a sua atenção?
Depois de 1945, a grande maioria dos luteranos não se confrontou com o seu próprio pró-nazismo. Eram criticadas, ao invés, as "forças de ocupação" e a "justiça dos vencedores". Na Alemanha destruída, à qual afluíram milhões de refugiados dos territórios perdidos ao leste, não se queria admitir que essa condição havia sido causada pelos próprios alemães, que, além disso, haviam infligido sofrimentos piores às outras populações. Na Igreja luterana, o sentimento coletivo dos fiéis teve um maior peso com relação à necessidade de julgar o próprio passado. É triste o quão tarde começou uma análise crítica. E é amargo constatar como as pesquisas sobre a história da Igreja em âmbito universitário também se ocuparam muito pouco das responsabilidades da Igreja Evangélica durante o nazismo. Isso ficou muito claro para mim quando eu falei com protestantes de origem judaica: eles esperaram por décadas um mea culpa da Igreja. Uma dessas figuras era a filha de um pastor da Igreja de Schleswig-Holstein, o qual, em 1939, foi proibido exercer o seu ministério, porque havia se recusado a se separar da esposa – uma judia que havia se batizado. O pai, em 1945, tinha pedido para ser readmitido em serviço como um pastor, mas a família esperou em vão o pedido de desculpas por parte da Igreja. Quando eu levei o caso ao conhecimento daquela que foi a sua igreja, foi colocada uma faixa. A mulher morreu três meses depois: recém-havia recebido o pedido de perdão esperado há tanto tempo.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Luteranos: o mea culpa sobre Hitler. Entrevista com Stephan Linck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU